segunda-feira, 30 de junho de 2014

Sete dias sem fim


"Ele perdeu a esposa, o emprego e o pai. E foi aí que reencontrou sua família."

Do Jonathan Tropper eu já havia lido "Como falar com um viúvo", que eu achei bem divertido. Quando vi que o livro estava na lista das adaptações para o cinema em 2014 eu achei que era o momento certo de lê-lo. Mas ele foi ficando aqui na minha estante e só agora chegou o meu momento. Sou dessas que acreditam que são os livros que nos escolhem e não o contrário. Sete dias sem fim me escolheu neste último final de semana e acho que era o que eu precisava ler. 

Vale lembrar que esta é uma leitura de entretenimento, sem grandes aspirações literárias, e nesse sentido foge um pouco do que costumo ler. Mas às vezes a gente precisa de livros assim, pelo menos eu precisei.

O enredo conta a história de um homem de quarenta e poucos anos que acaba de descobrir que sua esposa o estava traindo com o seu chefe. Além de perder a esposa, a casa e a segurança de um relacionamento de mais de 20 anos, ele também perdeu o emprego. E em meio a todo esse caos ele ainda recebe uma das piores notícias que alguém pode receber: o falecimento do pai.

Nascido em uma família judaica não muito praticante, onde os sentimentos sempre foram reprimidos e as relações um pouco conflituosas, Judd e seus irmãos são surpreendidos com a notícia de que seu pai fez um último pedido: que todos os membros da família Foxman se reunissem em sua casa, a casa onde todos cresceram, para realizar a shivá, período de sete dias de luto mantidos pela morte de uma pessoa próxima dentro do Judaísmo. É nessa reunião de família para homenagear o pai que muitas questões familiares são retomadas, mas não sem muita confusão. A narrativa de Jonathan Tropper é bem envolvente, há situações que nos fazem sorrir e outras com as quais nos identificamos (afinal de contas, quem nunca se sentiu um pouco perdido?) e que nos emocionam, como quando os irmãos, que tem dificuldade em verbalizar seus sentimentos, finalmente conseguem admitir que sentem muitas saudades do pai. É um livro que faz a gente pensar em nossa própria família e agradecer por ela.

Avaliação emocional: ****
Avaliação racional: ***

Tropper, Jonathan. Sete dias sem fim. São Paulo: Arqueiro, 2013. 304 páginas. Tradução Regina Lyra.

O livro foi adaptado para o cinema e tem lançamento previsto no Brasil para 25 de setembro de 2014. A seguir, o trailer do filme, que parece ser bem divertido.

domingo, 8 de junho de 2014

Poesia domingueira

Der Spaziergang, by Marc Chagall

Não partas já. Fica até onde a noite se dobra
para o lado da cama e o silêncio recorta
as margens do tempo. É aí que os livros
começam devagar e as cores nos cegam
e as mãos fazem de norte na viagem. Parte apenas
quando amanhã se ferir nos espelhos do quarto
em estilhaços de luz; e um feixe de poeiras
rasgar as janelas como uma ave desabrida.
Alguém murmurará então o teu nome, vagamente,
como a gastar os dedos na derradeira página.
E então, sim, parte, para que outra história se
invente mais tarde, quando os pássaros gritarem
à primeira lua e os gatos se deitarem sobre
o muro, de olhos acesos, fingindo que perguntam.

Maria do Rosário Pedreira

sábado, 7 de junho de 2014

No Silêncio de Deus


 Sara é uma jornalista de 30 anos, de uma família judia, mas ela não tem formação religiosa. O silêncio, para ela, é uma forma de confrontar-se consigo mesma, com sua solidão, com a frustração de não ser feliz com a própria vida. Por isso, Sara foge desse silêncio, que pesa sobre seus ombros, junto com a saudade que sente da mãe.
Manuel Guerra é um escritor de sucesso, bastante premiado, que precisa do silêncio para escrever. Durante sua vida, sempre se escondeu dos sentimentos e experiências verdadeiras com as quais não sabia lidar atrás de sua escrita, e da solidão que lhe era sempre tão necessária ao seu ofício. Foi um marido e um pai ausente, que agora sofre com as lembranças de sua esposa, que faleceu de câncer, e do seu filho, que se afastou por completo do pai quando a mãe fica doente, culpando-o por isso.

Dois personagens unidos e separados pelo silêncio, que se encontram para uma entrevista em um restaurante durante o almoço, e cujo encontro afetará bastante a vida dos dois, como se houvessem se reconhecido em sua solidão e na tristeza que tentam, a todo custo, ocultar.

Depois da entrevista, Sara decide ir a Israel com o pretexto de resolver um negócio de família, mas o que ela busca mesmo são suas raízes, sua origem, para quem sabe finalmente se encontrar. É chegado o momento de enfrentar o silêncio. Percorremos as ruas de Israel através da narrativa de Patrícia Reis, que nos conduz pelo passado e pelas tradições com a delicadeza de quem sabe pisar em território sagrado e cheio de emoções.

Manuel Guerra, logo depois da entrevista descobre que está com câncer e tem pouco tempo de vida, decide então ir para Amsterdam, sem data marcada para o regresso. Lá, aluga um apartamento em uma rua de prostituição, tem uma faxineira do Senegal e, certo de que já não há o que escrever, passa os dias em um café da rua, observando o acontecimento do lugar. É lá que conhece um garçom e uma prostituta, Martina, de quem se torna amigo. É com Martina que, pela primeira vez, Manuel consegue falar sobre o que sente, sobre a sua vida, sobre a dor de ter perdido a esposa, sobre a tristeza de estar longe do filho, sobre a proximidade da morte. São esses novos amigos, no lugar menos provável, que ensinarão a Manuel sobre a bondade, essa nova forma de ver a vida. 

Para os dois personagens, a viagem aparece como essa possibilidade de autoconhecimento e aprendizado, como se só em movimento, longe de nossa zona de conforto, pudéssemos chegar ao melhor de nós. No caso do escritor, outro aspecto interessante é essa possibilidade de renascer em outro idioma, pois em Amsterdã ele passa a se comunicar em inglês e isso acaba por ser uma forma de ser outro, talvez alguém melhor.

Esta é certamente uma história de redenção, que nos faz pensar sobre a vida, na bondade que podemos encontrar onde menos esperamos, no tempo que faz planos diferentes dos nossos e, às vezes, passa rápido demais. Há um tom melancólico que nos aproxima dos personagens, bem construídos através de diálogos simples, mas cheios de profundidade. Um texto que emociona.

Patrícia Reis é jornalista, escritora e editora da Revista Egoísta em Portugal. Já publicou diversos livros, entre eles Morder-te o coração (Língua Geral, 2007 ), Amor em segunda mão (Língua Geral, 2006), Contracorpo (Dom Quixote) Antes de ser feliz (Dom Quixote, 2009) e Por este mundo acima (Leya, 2012). 

REIS, Patrícia. No Silêncio de Deus. Lisboa: Dom Quixote, 2008.

E para quem se interessou pelo livro e quiser ouvir a própria autora falando um pouco sobre ele, clique aqui.

domingo, 1 de junho de 2014

Poesia Domingueira

Da vista e do visto

Mais uma vez é maio; não o levaste contigo;
horas se escrevem hoje com o lápis de sempre,
ultramar e um tanto adolescente; não o levaste,
maio, mês de meu aniversário, quando a melancolia
é menos nítida que a linha dos morros e dos edifícios;

vento sol amendoeiras, é como te digo, não levaste
maio e mesmo os meus olhos estão aqui, comigo;
algo, porém, sei que se foi contigo; que coisa era, não sei,
e, ainda que pequena, faz falta, era minha; coincidência
ou não, procuro e não encontro a minha antiga alegria.

Eucanaã Ferraz


FERRAZ, Eucanaã. Sentimental. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.